Cioran é o principal continuador de Nietzsche no século XX? 26 pontos de vista

Esta é uma pergunta recorrente nas entrevistas realizadas por Ciprian Vălcan e reunidas em Cioran, um aventureiro imóvel (30 entrevistas).

Tanto as respostas afirmativas quanto as negativas têm as suas razões, baseiam-se em interpretações igualmente razoáveis e válidas.

A diversidade de respostas a esta pergunta, índice de um notável caso de “angústia da influência” (Harold Bloom) e de uma relação histórico-filosófica incontornável, mostra em que medida Cioran – pensando e escrevendo após Nietzsche – é um autor emblemático da era hermenêutica que se sucede ao fim da metafísica, à “morte de Deus”.

Nietzsche, segundo Cioran, “expondo suas histerias, nos desembaraçou do pudor das nossas; suas misérias nos foram salutares. Ele inaugurou a era dos ‘complexos’”, escreve o autor de Silogismos da amargura (1952).

Para Cioran, como para Nietzsche, faz-se necessária a leitura como arte, “algo que precisamente em nossos dias está bem esquecido […], para o qual é imprescindível ser quase uma vaca, e não um ‘homem moderno’: o ruminar…” (Genealogia da moral, prólogo).


CIPRIAN VĂLCAN: Você considera acertada a opinião dos exegetas que veem Cioran como o principal continuador de Nietzsche no século 20?

PATRICE BOLLON: O que acabo de dizer ilustra a indiscutível proximidade, em termos de atitude, entre Cioran e Nietzsche – a diferença é que este último era muito mais filósofo no sentido pleno do termo. Nietzsche perturbou a filosofia, reconstruindo-a. Na sua obra, ou nas margens dela, está contida toda a reflexão que viria em seguida: Foucault, é claro, mas também uma parte de Wittgenstein e o Heidegger de “O que significa pensar?”. Cioran não tem o mesmo poder que eles. Para mim, repito, ele é um mestre da existência – o que significa que é, em certo sentido, menos, em outro, mais do que esses autores…


JOSÉ THOMAZ BRUM: Em Écartèlement (1979), Cioran escreve: “Eu não gostaria de viver em um mundo esvaziado de todo sentimento religioso.” Não acho que Nietzsche subscreveria a esta afirmação.


MASSIMO CARLONI: É certo que, do ponto de vista filosófico, Cioran se colocou, pelo menos no início, sob o signo de Nietzsche, no sentido da descontinuidade e da ruptura com a filosofia contemporânea, cortando as pontes com o jargão acadêmico, propondo um estilo completamente novo, dinamiteiro e fragmentário. Cioran reconhece isso: “Nietzsche foi eminentemente libertador. Foi ele quem sabotou o estilo da filosofia acadêmica, quem atentou contra a ideia de sistema. Ele foi libertador, porque depois dele pode-se dizer tudo…” […] Presa da exaltação interior, pode-se dizer que Cioran parte de onde Nietzsche parou: uma euforia excessiva, implacável, que se regozija no delírio da destruição. Nietzsche enlouquece, ao passo que a “demiurgia verbal” de Cioran esfria, encontrando a sua medida em contato com o ceticismo e com o vazio budista.


NICOLAS CAVAILLÈS: De jeito nenhum. Nietzsche poderia ser considerado um “irmão inimigo” de Cioran, uma leitura de juventude que ele viria a denunciar como uma “palhaçada mística”. Um jovem atormentado da década de 1920 não podia deixar de ser seduzido pela aventura nietzschiana, e Cioran carregou em si durante toda a vida esse desequilibrado iconoclasta que o impressionou de início e depois o decepcionaria. Mas se ele escreveu muito sobre Nietzsche, isto se deve mais ao gosto de polemizar, e um pouco de autocrítica também. O itinerário de Cioran o aproxima antes de Schopenhauer – se for preciso inscrevê-lo numa perspectiva pessimista alemã.


LIVIUS CIOCÂRLIE – Na verdade, não. É óbvio que o jovem Cioran foi um nietzschiano, mas não creio que tenha dado uma contribuição importante que pudesse complementar a concepção do filósofo alemão. Traços do nietzscheanismo também podem ser encontrados no período francês, como, por exemplo, a atração confessa que a tirania exercia ainda sobre ele, embora, conceitualmente, ele não mais a promovesse. Além disso, nunca deixou de dar à vida um valor supremo, embora se visse cada vez mais desvitalizado. Eu diria que Nietzsche ofereceu a Cioran uma armadura que, uma vez amadurecido, ele abandonaria.


SYLVAIN DAVID – Tudo depende de que Nietzsche estamos falando. Porque, de um ponto de vista estritamente filosófico, é óbvio que alguns contemporâneos de Cioran, como Deleuze ou Foucault (para citar apenas dois), levaram as ideias de Nietzsche muito mais longe do que ele. Dito isso, se estamos falando do Nietzsche moralista, o de Assim falou Zaratustra, que busca determinar a atitude conveniente em face da existência, então sim, Cioran se inscreve de fato – ainda mais pelo do autorretrato proporcionado por sua obra – nessa linhagem. Mas não é menos verdade que esse aspecto especial da obra de Nietzsche deve muito aos moralistas franceses dos séculos 17 e 18, nos quais Cioran também se inspirou. O buraco, portanto, é muito mais embaixo…


AURÉLIEN DEMARS – Não, esta interpretação equivocada, uma espécie de gabarito manjado, é facilmente refutada por uma exegese minuciosa de Cioran. No final das contas, é desconhecer Cioran, a sua obra, o seu pensamento, se formos levados a crer que ele poderia ser o continuador de alguém. Também devemos ter em mente uma lição de Nietzsche que o próprio Cioran não ignorou e aplicou a si mesmo, a de que devemos superar os nossos “educadores”, como Nietzsche superou Schopenhauer, por exemplo. Ademais, cronologicamente, Cioran parece ter começado uma leitura mais pessoal e aprofundada de Nietzsche só ao final de seus estudos universitários, após ter estudado as obras de Kant, Schopenhauer, Spengler, Kierkegaard, Bergson…


ANTONIO DI GENNARO – Não, não sou desta opinião. Referindo-se a Nietzsche, Cioran escreve nos Cahiers uma frase concisa, lapidar: “Era um cordeiro que se sonhava lobo”. Esta frase resume o que Cioran escreve sobre Nietzsche em Do inconveniente de ter nascido (1973):

Respondi, a um estudante que queria saber o que eu pensava acerca do autor de Zaratustra, que deixara há muito de o frequentar. Porquê?, perguntou-me ele. – Porque o acho demasiado ingénuo…
Censuro-lhe os seus entusiasmos, e até mesmo os seus fervores. Apenas demoliu ídolos para os substituir por outros. Um falso iconoclasta, com aspectos adolescentes, e uma qualquer virgindade, uma qualquer inocência, inerentes à sua carreira de solitário. Limitou-se a observar de longe os homens. Se os tivesse olhado de mais perto, nunca teria podido conceber nem louvar o super-homem, visão bizarra, risível, para não dizer grotesca, quimera ou fantasia que só poderia surgir no espírito de alguém que não teve tempo de envelhecer, de conhecer o desprendimento, o longo e sereno fastio.


JOSHUA F. DIENSTAG – Essa questão está longe de ser fácil. O difícil é identificar quais foram as contribuições mais importantes de Nietzsche. A influência de Nietzsche foi tão universal – mas também tão diversa, com diferentes elementos da sua obra tendo diferentes efeitos em diferentes áreas – que fica difícil determinar os seus principais herdeiros.


PHILIP DRACODAÏDIS – Eu sustento que não há nada de nietzschiano nele. Se interpretarmos a brutalidade da sua reflexão, seus golpes diretos no alvo, seu moralismo peripatético (uma “ética” violentamente antimoralista) como teste de força, do super-homem ou outras conveniências, estaremos enganados.


FARKAS JENŐ – Como Nietzsche, Cioran é, acima de tudo, um poeta-pensador. Sua obra é mais literária do que filosófica. Ele é considerado um “ateu”, assim como o seu predecessor alemão. A sua recusa em crer torna-se uma obsessão sem saída. Surge a pergunta: esta luta de vida ou morte pode levar ao nascimento de uma nova moralidade? O cardeal Ravasi, presidente do Conselho Papal para a Cultura, descreveu Cioran como um ateo credente cujas imprecações podem ser consideradas orações invertidas. Elas influenciarão a redefinição da espiritualidade europeia nesta era de crise? É possível que sim.


MICHAEL FINKENTHAL – Cioran é o continuador de… Cioran. Sabemos que na França ele era amiúde considerado o continuador da tradição dos grandes moralistes após Montaigne; na filosofia, foi comparado a Nietzsche. Mas este último tinha uma visão, representada pelo Zaratustra, que Cioran não compartilhava. Houve, claro, um momento na vida de Cioran em que ele pensou que era, ou que poderia se tornar, o arauto de uma boa-nova, após a descida da montanha chamada Berlim, mas a “transfiguração” sonhada por ele não tinha, além da retórica, nada em comum com a pretensão de Nietzsche de transformar o homem em um “super-homem” (supra-om).


ALEKSANDRA GRUZINSKA – Não sou qualificada na obra de Nietzsche para poder responder a essa pergunta. A proximidade entre Nietzsche e Cioran recai no pessimismo e no niilismo que encontramos neles. Gostaria de destacar o lugar privilegiado que a música ocupa para ambos. Bach é o favorito de Cioran. As Variações Goldberg ocupam um lugar privilegiado para ele. Para Cioran, a música tem uma virtude redentora, de renovação. Transporta-nos para um mundo diferente, mais próximo de Deus. Cioran me recomendou assistir aos concertos nas igrejas de Paris durante as minhas estadias sabáticas na França. Ele estava sempre atualizado e bem-informado sobre o repertório musical de Paris.


AYMEN HACEN – Isso foi dito e pensado muitas vezes. O próprio Cioran rejeitou essa interpretação nas Entretiens [Entrevistas] e nos seus Cahiers [Cadernos], mas o mais importante – reconhecendo a pertinência da pergunta – é que Cioran nunca quis continuar ou seguir o pensamento de ninguém.


LILIANA HERRERA – Não acho que seja. Basta ler as declarações do próprio Cioran a este respeito. Mas esta é, de fato, uma das desleituras mais comuns na Colômbia. Penso que seja importante, por outro lado, conhecer a tradição dos moralistas franceses, da escrita fragmentária. Esta é uma chave de interpretação apropriada para que os nossos alunos compreendam a obra de Cioran.


IRINEUSZ KANIA – A verdade é que há muitas similitudes entre Nietzsche e Cioran, principalmente no tocante ao diagnóstico pessimista da natureza humana, quebrada e decaída como ela é; o mesmo em relação à cultura. Mas muito mais importante, eu diria fundamental, é o que emerge desse diagnóstico, permitindo distinguir claramente os dois pensadores: enquanto Nietzsche, com a sua concepção do Übermensch (que deveria ser o homem por vir, uma entelecheia que atualizaria todas as potencialidades humanas), manifestava certo otimismo antropológico, Cioran, por sua vez, com a sua hostilidade habitual a toda ilusão, considerava o homem um ser incuravelmente caído, o mais deplorável de todos, a criatura mais lamentável do Demiurgo.


JACQUES LE RIDER – É, evidentemente, um exagero, porque o nome de Nietzsche designa um imenso continente do pensamento europeu, e não acho justo colocar Cioran no mesmo patamar. Dito isso, são muitos os pontos que aproximam Cioran de Nietzsche: a escrita aforística, a presença de Schopenhauer, muito forte em Nietzsche até o momento do seu rompimento com Wagner, a referência aos moralistas franceses, a orientação “antimoderna”1 da crítica dos valores, da cultura e da política.


GER LEPPERS – Não sei se é importante hierarquizar os autores influenciados por Nietzsche. Além disso, também acho – mas isso foge um pouco das nossas intenções – que para ser seguidor de Nietzsche, é melhor não ter filhos. Afinal, os filhos não percebem, mas os pais são, de muitas maneiras, reféns deles. Ser pai implica uma vulnerabilidade e exige um tipo de generosidade e disponibilidade que não correspondem a certos aspectos e exigências da atitude nietzschiana. Estou convencido de que pais de famílias numerosas raramente estão entre os seguidores de Nietzsche – muito menos mães! É possível imaginá-los nietzschianos?


MARCO LUCCHESI – Antes de ler sobre isso, eu já havia sentido intensamente essa continuidade ao ler fragmentos de O Crepúsculo dos ídolos, no martelo filosófico, no modus dissolvendi, na variedade mozartiana do ritmo com um fundo comum, e, na minha então primitiva experiência de leitor, tinha a sensação de não saber (além da simples cronologia) se era Nietzsche quem tinha influenciado Cioran ou se, “mais provavelmente”, as coisas não se dariam inversamente contrário, rebelando-se contra qualquer linha de tempo plausível ou incerta. Amei esse pensamento e estendi essa ponte para um mundo ideal, sem alfândega, como leitor-traficante de ideias e potenciais belezas poéticas, pequenas epifanias, entre Zaratustra e os notáveis Silogismos da amargura de Cioran. À tríade, gostaria de acrescentar Antonin Artaud, sobretudo pela ideia do teatro e do duplo selada com o fervor da crueldade, um outro martelo, um novo silogismo, fonte de fascínio e, portanto, de paixão.


JOAN MARÍN –Além da coincidência biográfica (ambos eram filhos de sacerdotes), Nietzsche e Cioran têm mais em comum. Fazem parte da irmandade dos pensadores solitários, à margem das escolas filosóficas; pertencem a uma filosofia não-institucional, silenciada pela Academia. São pensadores viscerais. Nas suas obras, longe das invenções artificiais do pensamento asséptico, o leitor percebe as convulsões do sentimento e da carne pensante. São, ao mesmo tempo, pensadores-literatos capazes de dar a vida por uma bela frase. Eles também se encontram nas barricadas das suas próprias batalhas contra Deus, contra a Verdade e os ídolos que se escondem atrás de maiúsculas.


DAN C. MIHĂILESCU – Absolutamente. E mais do que isso: penso que Cioran é o parêntese metafísico que fecha o século 20. “Deus está morto” como o parêntese inicial e “Cioran, le dernier homme” como o final, assim se expira filosoficamente o século. Com Heidegger no meio.


MARTA PETREU – Na minha opinião, se alguém quisesse demonstrar a continuidade entre Nietzsche e Cioran, teria tudo para fazer trabalho comparativo exitoso. Afinal, o próprio Cioran reconheceu as suas leituras iniciais e formativas do filósofo alemão, a sua influência. Até a despedida final, é claro. Nietzsche, com a sua poesia, liberou-o para deixar-se levar. Prefiro falar, no caso de Cioran, da pertença a uma família espiritual – a uma linhagem de pensamento e sentimento que inclui Sêneca, Pascal, Kierkegaard, Schopenhauer, Nietzsche, entre outros. Uma família de espíritos com afinidades temperamentais, de tal forma que Cioran reencontra-se em todos os precedentes e é, em maior ou menor medida, prefigurado por eles.


VINCENT PIEDNOIR – A relação é inegável. Ambos rejeitam a ideia de sistema, exploram o caminho do fragmento, introduzem o humor e a psicologia no cerne do pensamento, opõem-se ao racionalismo ocidental, têm uma profunda paixão pela música… A sua proximidade espiritual poderia ser descrita longamente. Mas, como explicar as reservas de Cioran sobre Nietzsche? Se o pensador romeno aprecia no alemão o “perito em decadências, o psicólogo, psicólogo agressivo, não somente observador como os moralistas”, ele não poupa as palavras mais duras para qualificar a visão nietzschiana do Übermensch, considerado por ele uma “mera elocubração”.


Em Do inconveniente de ter nascido (1973), a acusação é severa: Nietzsche, escreve Cioran, é “demasiado ingênuo… Censuro-lhe os seus entusiasmos, e até mesmo os seus fervores. Apenas demoliu ídolos para os substituir por outros. Um falso iconoclasta, com aspectos adolescentes, e uma qualquer virgindade, uma qualquer inocência, inerentes à sua carreira de solitário.” E acrescenta que Nietzsche “limitou-se a observar de longe os homens. Se os tivesse olhado de mais perto, nunca teria podido conceber nem louvar o super-homem, visão bizarra, risível, para não dizer grotesca”, como se lê no mesmo aforismo. No fundo, Cioran só guarda de Nietzsche a figura do destruidor, do negador. O seu pessimismo antropológico é irredutível: o homem não pode ser “superado”; ele não é nem “ponte” nem “transição”, como pretendeu Zaratustra…


FLAMARION C. RAMOS – Em parte. Vejo Nietzsche como uma referência fundamental para a compreensão do pensamento filosófico de Cioran. A crítica ao cristianismo e à moral tradicional, a superação da seriedade filosófica, a nova compreensão da verdade – como interpretação em vez de correspondência –, a intuição da decadência do Ocidente, a ruptura com o estilo tradicional de argumentação, a riqueza de estilos, a autonomia, enfim, inúmeros aspectos aproximam os dois autores…

Mas, em geral, as teses de Cioran estão longe do projeto filosófico de Nietzsche. Conceitos como “vontade de potência”, “além-do-homem” e “eterno retorno” são totalmente descartados por Cioran, que se interessava mais pela experiência vivida do indivíduo Friedrich Nietzsche do que pelo seu projeto de “transvaloração de todos os valores”, que soava tão ridículo para Cioran quanto qualquer outro projeto.

Ao mesmo tempo, Cioran se fasta da filosofia de forma mais radical do que Nietzsche, o qual, apesar de ser reconhecido como um brilhante escritor, não pode ser compreendido sem referência à história da filosofia, com a qual Nietzsche dialoga constantemente. Cioran, por sua vez, abstrai-se da filosofia e consegue falar do mundo de forma mais imediata. É por isso que ele é lido mais como escritor do que como filósofo.

Justamente por pertencer à tradição filosófica, Nietzsche é e continuará sendo lido por filósofos profissionais. Nesse sentido, devemos lembrar a interpretação de Heidegger, que colocou Nietzsche no coração da tradição metafísica ocidental. Cioran ainda é ignorado pela filosofia universitária, pois a sua forma de pensar está no limite da tradição filosófica. Atrevo-me a dizer que, enquanto a obra de Cioran estiver viva, será ignorada pela filosofia acadêmica.


GIOVANNI ROTIROTI – Penso que Cioran, na década de 1930, se identificou quase totalmente com a figura de Nietzsche, mas, com o tempo, não se limitou a emulá-lo ou repeti-lo, pelo contrário, buscou na obra do filósofo alemão os pontos que poderia desdobrar, levar mais longe e, de certo modo, continuar. Acho que Cioran realmente amou Nietzsche e o enfrentou a vida toda. Mas na França – como podemos atestar pelos Cahiers, por parte da sua correspondência e em entrevistas – Cioran declara abertamente a sua vontade de romper com o modelo nietzschiano de pensamento e estilo.


CONSTANTIN ZAHARIA – Eu começaria dizendo que Cioran não é um continuador de Nietzsche. Por razões óbvias, toda a cadeia argumentativa que me leva a diferenciá-los não pode ser desenvolvida aqui. Cioran não é um reformador da filosofia, como Nietzsche pretendia ser. Ele não estabeleceu uma polêmica entre a filosofia contemporânea e o seu próprio pensamento. No máximo, podemos dizer que Cioran denunciou a falência do pensar filosófico sistemático em páginas contundentes do Breviário de decomposição e de A tentação de existir, ainda que, a bem da verdade, quase todos os seus livros franceses atestem uma verdadeira aversão à filosofia.

Com o passar dos anos, Cioran se torna um feroz “antifilósofo”, afirmandorepetidas vezes a inanidade do pensamento estruturado. É verdade que, para ele, “filosofia” tem uma conotação muito específica, designando sempre um sistema filosófico. Cioran admira Kierkegaard e Nietzsche, Montaigne e Pascal, e a estes se somam inúmeros outros que o pensador de Răşinari costuma citar nos seus livros ou mesmo nos cadernos. Schopenhauer, o filósofo que lia com tanta paixão na adolescência, e de quem nunca se dissociou completamente, não escapa de certas distâncias exprimidas por Cioran.

Tanto Cioran quanto Nietzsche rejeitam o sistema e recorrem à expressão aforística. Mas, enquanto o primeiro abandona o projeto enquanto tal, abordando temas e espaços de reflexão não filosóficos, o segundo jamais virou às costas à filosofia, por mais que adotasse uma abordagem poética das ideias, como acontece com Zaratustra. No fundo, e corro o risco de me contradizer, diria que eles são como almas gêmeas que olham em direções diferentes. Cioran diz nos Cahiers que Nietzsche está cheio de ingenuidades que podem até colar na adolescência, mas que não interessam mais ao espírito amadurecido que tenha assimilado, digamos, La Rochefoucauld e Saint-Simon. Para Cioran, o Übermensch não faz sentido: é uma fantasia compensatória imaginada por um homem frágil e enfermo. […]

Assim, há em Cioran, em parte, um moraliste inserido na tradição da literatura clássica, mas com sotaques de uma inegável modernidade, enquanto Nietzsche permanece um filósofo que pisca para os seus vizinhos-inimigos (toda a Alemanha naquele momento), atraído pela elegância estilística e pela dicção das ideias, mas ao mesmo tempo refém do espírito germânico que ele critica virulentamente. Quando lê Voltaire, Chamfort ou Mirabeau, Nietzsche fica fascinado por um traço que lhe é próprio: a veemência. Cioran nutre o mesmo interesse pela expressão veemente: aforismo, máxima ou a simples frase são gêneros irmãos que permitem o estabelecimento de um tipo de pensamento que pode ser associado à violência. […]

Na verdade, ambos pertencem a um paradigma filosófico que se manifesta de forma polêmica, e com intenções reformadoras, a partir do século XIX. Kierkegaard também segue a mesma trajetória. Os três têm um lado ensaístico, diria até literário, apesar da intenção filosófica fundamental. Todos eles escrevem aos poucos (com algumas diferenças e circunstâncias específicas, é claro) e negam a abordagem sistemática. A noção de fragmento que apresento aqui não é sinônimo de aforismo no sentido clássico. Diferentemente deste, o fragmento se apresenta sob o signo da incompletude, enquanto o aforismo é um sistema mínimo, do qual nada pode ser subtraído e ao qual nada pode ser acrescentado. Para o grupo de escritores da revista Athenaeum, o fragmento encerra-se sobre si mesmo como um “ouriço”, reduzindo-se à condição de mônada. Mas isso era antes de 1800…


Título: Cioran, um aventureiro imóvel: 30 entrevistas
Autor: Ciprian Vălcan
Tradução, prefácio, notas e cronologia: Rodrigo Inácio R. Sá Menezes
210 páginas
Ano: 2023
ISBN: 978-65-85286-00-8

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